quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sobre testes em animais


Em vista de eventos recentes tem-se discutido muito sobre as implicações éticas da realização de testes clínicos em animais, especialmente cães. É de conhecimento de todos que existe em nosso meio espiritualista um considerável número de simpatizantes da causa de defesa dos animais, sendo a ecologia e o combate aos abusos e maus tratos uma bandeira frequentemente erguida por estes espiritualistas.

Não há dúvidas de que esta se trata de uma causa nobre, pois muitos em nosso meio concordam que nossa condição humana sendo melhor suprida de recursos se tornaria moralmente responsável pelos demais seres menos afortunados e portanto caberia a nós zelar por sua preservação e bem estar, sendo esta uma condição ideal.

O que se poderia contrapor a essa condição ideal é o fato de não vivermos em condições ideais e nossa realidade é bastante diversa desta tida como ideal. De modo que esta bandeira ideológica de lutar pelos direitos à vida e ao bem estar dos animais acaba caindo num juízo de valores bastante tendencioso, de modo que se faz distinções de espécies privilegiando aquelas com as quais nossa relação seja a de maior afeição.

Ou seja, se analisarmos com isenção de ânimo constataremos que em nossa sociedade humana fazemos uso, sim nós nos utilizamos dos animais das mais diversas e variadas formas. E todas as formas implicam em submeter esses seres a situações alheias às suas condições naturais.

Animais são utilizados para nosso lazer, para nos proporcionar vestimentas, alimentos, objetos etc. E nisto viemos a estabelecer uma escala de "simpatia" que temos para com cada espécie de acordo com o uso que fazemos delas, sendo que especialmente aqueles que são utilizados para o nosso lazer, como por exemplo cães acabam sendo tratados de maneira quase idêntica a que se trataria um ser humano.

Há quem diga que alguns animais seriam tratados melhor que muitos seres humanos, mas isso seria um equívoco, pois dar um tratamento humano, por melhor que seja a um animal não é fazer-lhe um bem, pois estará da mesma forma corrompendo sua natureza.

Deste modo, se buscarmos ter alguma imparcialidade podemos chegar facilmente a conclusão de que dar a um animal tratamento humano não é tratá-lo bem, pois tal modo de tratar faria bem a um humano e não estaria verdadeiramente atendendo às necessidades do animal.

Nesse ponto podemos agora considerar o contraponto da questão apresentado pelos representantes das Ciências Convencionais que com muito propriedade alertam para a questão de que dentre os inúmeros usos que damos aos animais, a utilização destes para testes laboratoriais seria de longe a de maior utilidade, sendo crucial para a melhoria e bem estar da própria vida humana.

Esta questão só entra em conflito quando os animais utilizados são aqueles que normalmente nos servem como fonte de lazer, conforto emocional e companhia, de modo que se estabelece um natural vínculo de simpatia pelo recorrente hábito de humanizar estes seres, ou seja, vê-los como análogos aos humanos.


Normalmente não nos detemos na observação de que criamos tais animais única e exclusivamente para satisfazer a nossas necessidades humanas, as diversas espécies de cães por exemplo foram criadas com propósitos muito específicos de nos prestar serviços, tais como caça, pastoreio, guarda, companhia etc. Se tirar toda uma espécie da natureza e alterá-la geneticamente para que melhor cumpram as tarefas que nos interessam não é um mau trato não saberia dizer o que seria então.

Imaginemos o inverso. Imaginemos que uma outra espécie criasse humanos, fazendo cruzamentos específicos para obter melhores corredores, ou escaladores por exemplo, ou para que se desenvolvesse características que aos olhos desses outros seres parecesse mais esteticamente interessante, como selecionar aqueles que tivessem mais ou menos pelos corporais, que tivessem tal ou qual cor e assim por diante.

Mesmo que nos dessem o que comer, nos dessem um espaço para viver da escolha deles e nos dessem atenção quando lhes fosse interessante, ainda assim não nos sentiríamos bem tratados. Então a idéia de que ao termos um animal doméstico estamos atendendo a todas as necessidades desse ser é ilusória.

Assim, é preciso que vejamos que dentre os diversos tipos de maus tratos que damos aos diversos animais que nos servem, caberá apenas considerar o que menos prejuízos irá trazer àquele ser, dentro daquilo que nos seja possível. Sendo que se tais criaturas foram criadas por nós para cumprir determinada função que ao menos essa tenha uma utilidade para nós que compense o sacrifício ao qual o animal é submetido para o nosso bem estar.

Da mesma forma que criamos animais para alimentação e produção de outros bens de consumo, assim também criamos animais para nosso lazer, bem como para nossos experimentos científicos para a criação de novos recursos na área médica e industrial. Mesmo em se tratando dos mesmos animais cada qual estará sendo criado com uma finalidade diferente.

Por exemplo há quem crie porcos não para alimentação mas sim para companhia, bem como eles também podem ser criados para a realização de experimentos. Da mesma maneira de acordo com o local e a cultura cães também estarão sendo criados para alimentação e não apenas para companhia e da mesma forma se cria cães para a realização de experimentos.

De todos os males que fazemos aos animais só nos cabe considerar causar o mínimo de impacto negativo e extrair o máximo proveito da função à qual os destinamos. E dentre essas diversas funções quer me parecer que poucas seriam tão nobres quanto sua utilização para garantir a segurança, saúde e bem estar do ser humano no consumo de medicamentos e outros bens de consumo.

Enfim vemos que os simpatizantes das causas protetoras dos animais devem com certeza se colocar em campo na vigilância de que estes seres não estejam sofrendo em vão, que tenham o máximo de bem estar possível no limite de sua utilização. Não cabendo a estas organizações o trabalho de redefinir a utilização atribuída ou ao que se destina a criação de cada espécie ou animal em particular.


Assim vejamos que utilizar um animal que foi criado para nos servir de companhia para alimentação seria algo inadequado, como também seria inadequado utilizar para companhia um animal que tivesse sido criado para servir de alimento, e isto se aplica igualmente ao desvio de função de um animal que tenha sido criado para a realização de testes clínicos, não servindo esse nem como alimento e nem como animal de estimação, sendo que isto sim se caracterizaria como um mau desnecessário. Da mesma forma que não deveriam estar sendo utilizados para nenhum desses fins animais selvagens, que tivessem sido retirados de sua condição natural.

Normalmente aplicamos esta lógica pragmática a todos os contextos, mas nos eventos recentes organizações de proteção aos animais estiveram deixando essa lógica de lado e tomando atitudes com base em sentimentalismos, por considerar que, no caso cães, só deveriam servir como companhia, deixando de levar em conta que em diversos povos e culturas eles são criados também para alimento e aqueles que estivessem servindo para a realização de testes clínicos teriam sido criados justamente com essa finalidade única.

Mas o caro leitor questionaria que este espaço se destina a assuntos atinentes às Ciências Ocultas e desta forma vou então trazer aqui alguns conceitos a serem levados em consideração dentro deste contexto.

Embora para as Ciências Convencionais o ser humano venha a ser considerado como uma espécie animal, este só é considerado assim por se estar considerando apenas e tão somente sua realidade física e corporal, de modo que de fato, os corpos humanos são corpos animais, embora no entanto, no estudo das Ciências Ocultas, que leva em consideração não apenas os corpos como também a entidade que o habita aí veremos uma distinção entre humanos e animais.

Pode parecer confuso, mas a questão não é de todo complexa, sendo que levamos em consideração a existência de diversos "Reinos", assim como conseguimos distinguir boa parte das vezes seres do Reino Animal de seres do Reino Vegetal, por possuírem corpos diferentes, assim também distinguimos seres do Reino Humano de seres do Reino Animal, embora essa distinção não seja feita pela observação dos corpos, mas de sua essência consciencial.

Assim o Reino Humano, mesmo sendo composto por seres de natureza consciencial distinta ainda assim se utilizam de corpos essencialmente animais. Assim observamos que há uma sensível diferença entre aquilo que seria benéfico ao ser Humano em essência daquilo que seria benéfico para os Animais como seres vivos.

Como utilizamos corpos animais, muito do que serve aos corpos de diversos animais também servirá para o corpo humano e em razão disto é que se torna possível para as Ciências Convencionais a realização de testes com corpos animais para se ter uma análise aproximada de como seria a reação dos corpos humanos naquelas mesmas condições.

Aí entraria a questão ética de se seria aceitável que pertencendo a um Reino se fizesse uso dos seres de outro, mas isso é observado na Natureza o tempo inteiro, de modo que Animais, assim como Humanos se utilizam de seres Vegetais, para Alimento, para Abrigo e outros fins, da mesma forma que seres Vegetais se utilizam de Animais e de Humanos em muitos casos para reprodução por exemplo.


Todas essas interações são Naturais e apenas a moral Humana é que nos leva a questionar tais questões. Especialmente por transferir aos demais seres características que lhe são particulares, tais como a maneira como lidamos com a dor e o sofrimento, que não é a mesma maneira com que os demais Reinos lidam.

Podemos levar em conta conceitos como sofrimento moral, que seria quase que exclusivamente humano. Animais por exemplo são capazes de sentir emoções, mas não vinculam nenhuma emoção específica à dor, a dor é simplesmente sentida fisicamente. No máximo se observa reações comportamentais instintivas, tais como medo por exemplo, criando-se assim o efeito traumático de se buscar evitar sentir aquela dor novamente.

Isto é diferente de uma decisão humana por não querer mais passar por tal situação, eles não tomam decisão nenhuma, trata-se de uma reação inconsciente, que aliás também possuímos. Deste modo é preciso que se leve em consideração que diferentemente dos Humanos os seres Animais não lidam de maneira emocional com a Morte, eles lidam de maneira mais natural como nós também deveríamos, sendo que a Morte em si não nos obriga a nenhuma resposta emocional específica e esta apenas se mostra como um condicionamento cultural que varia de acordo com a época e o povo em questão.

Outro ponto importante a ser observado na relação entre Humanos e Animais é que muitas escolas reencarnacionistas tratam do tema da reencarnação de Humanos em condições Animais e este é um processo que embora ocorra caberia se estabelecer uma distinção no uso do termo reencarnação, pois nestes casos não seria exatamente o mesmo processo de quando se retorna a uma encarnação Humana.

Este outro processo é conhecido como Metempsicose, que trata de aspectos um pouco mais obscuros de nossa constituição oculta consciencial. Nossa consciência tem como veículo de manifestação não apenas os corpos sutis como também a consciência e a memória dos átomos que compõem os corpos mais densos. Assim temos que certos conglomerados atômicos, veículos de consciência, que componham um corpo humano na hora de sua morte, poderá ocorrer destes migrarem e serem absorvidos e utilizados na constituição de corpos de Animais, ou mesmo de Vegetais, ou ainda outros Humanos.

Assim observa esse fenômeno no qual por vezes acessamos a memórias, tidas como reencarnatórias de experiências vividas nessa condição distinta de ter uma porção de si habitando outros corpos, de modo que isso demonstra que o processo reencarnatório é ainda mais complexo do se poderia supor.

Dentro dessas memórias encontramos também as sensações vividas, de modo que nos seria possível muitas vezes reviver a experiência, como dores, sofrimentos, emoções, pensamentos exatamente como ocorreria numa encarnação propriamente dita. Assim ocorre que em determinados meios se utiliza deste recurso da natureza para realizar "correções kármicas" submetendo o ser a experiências que de outra forma não teria como passar por elas, como de compartilhar de momentos de agonia de animais por exemplo.

Alguns se utilizariam disto como argumento para que abandonasse toda forma de utilização dos animais para evitar que "espíritos humanos" também sofram com eles, no entanto não só a morte como a própria dor fazem parte da natureza e apenas nossa postura anti-natural nos leva evitar tais coisas. Talvez tudo que precisemos seja realmente o conforto psicológico de que nosso mal é necessário.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Convite à Reflexão


Convido aqui aos leitores a que se permitam imaginar e acompanhar esta história que mesmo se tratando de uma ficção trará consigo elementos que ilustram nossos dias e a nossa relação com o Oculto.
 (Esta história é uma parábola e todos os dados objetivos e referências são fictícios)

 

A Saga dos Quiniguibalis

Existiu uma remota e pequenina ilha perdida na vastidão do Oceano Pacífico onde habitava um povo que dava a si mesmo o nome de Quiniguibali, o nome que davam à sua ilha era Niguibali, que em idioma nativo significava "todas as cores", davam este nome porque sua ilha possuía falésias multicoloridas e uma vegetação rica em flores dos mais diversos tipos então este nome lhe caía bem e assim por conseguinte o nome do povo significava "filhos de Niguibali".

Era um povo simples de vida pacata que há muitas gerações que não tinham contato com outros povos. Suas atividades principais além das interações sociais normais aos humanos consistiam em coletar alimentos, uma vez que a agricultura não supria todas as suas necessidades. Tinham um apetite especial por um tipo específico de marisco que gostavam de comer cozido.

Sim eles conheciam o fogo. Eram de mentalidade mediana, tinham inclusive uma gramática razoavelmente desenvolvida e uma escrita rudimentar somente dominada pelos anciões que guardavam sua história. Sabiam por exemplo que os últimos 43 anos foram de escassez do marisco que antes era abundante nas rochas de águas rasas, como também sabiam que a origem de seu povo provinha de uma terra distante para muito além das ondas do mar que os rodeava, em algum lugar seguindo em direção para onde o Sol nasce todas as manhãs, davam a esta terra o nome de Runiguibalis, significando "antiga Niguibalis" ou "antes de Niguibalis", os anciões não conseguiam chegar a um consenso sobre o sentido mais adequado para a partícula "ru", assim usavam o termo Runiguibalis também para definir a direção Leste, como também para se referirem ao Sol.

Ao marisco que apreciavam chamavam de Ru'qui, que tinha um significado de algo como "filho do leste", especialmente porque as áreas nas quais essa iguaria era coletada se encontravam nas praias que faziam frente para o Nascente, de modo que os coletores também eram chamados de Runiguibalis.

Com a escassez de Ru'qui os Runiguibalis (coletores de marisco), passaram a procurá-los em pedras submersas cada vez mais distantes da praia e ao longo de poucas gerações começou a ser preciso mergulhar grandes profundidades e permanecer prendendo o fôlego por períodos cada vez mais longos. Assim os Runiguibalis foram se tornando exímios mergulhadores capazes de alcançar profundidades que nenhum outro Quiniguibali seria capaz.


Sendo assim eles se tornaram os únicos capazes de alcançar o recife de coral que existia a uma considerável distância da praia e a cada vez que mergulhavam por ali ficavam maravilhados com a beleza das cores do coral e dos peixes e outros seres marinhos que viviam ali e voltavam contando sobre essas maravilhas da natureza, contando para os anciãos para que estes registrassem essa descoberta para as gerações seguintes. Isto era algo que tornava seu difícil trabalho um pouco mais prazeroso. Como não havia antecedentes linguísticos de uma nomenclatura para Coral eles chamaram de Finiguibalis, significando "pai de todas as cores", como sendo um superlativo da diversidade de cores que já conheciam, de modo que nunca haviam visto nada igual em terra.

Foram tempos de relativa fartura, pois a provisão de Ru'quis coletadas no coral era abundante, em pouco tempo os Runiguibalis foram aprendendo a coletá-los sem se cortarem no coral e evitando ouriços, moréias e águas vivas, para tirar dali o sustento de seu povo.

E assim foi se passando o tempo e geração após geração foi perdendo o interesse por Ru'quis a medida que a agricultura foi ficando mais desenvolvida. Assim a profissão de Runiguibali foi deixando de ser necessária e uns poucos agora já anciãos escreviam suas próprias histórias, embora de fato encontrassem grandes obstáculos em encontrar palavras e maneiras de descrever tudo aquilo que viam em seus mergulhos ao longo daquele recife tão cheio de vida.

Como existiam entre os anciãos muitos Runiguibalis, este termo passou a ser adotado também para definir o grupo de anciãos que guardava a história e orientavam e educavam as gerações mais novas. E é claro que contavam belas aventuras que tiveram em seus mergulhos ao recife.

Passaram-se muitas gerações mais até que não existisse mais nenhum mergulhador entre os anciãos de modo que o termo Runiguibali passou a definir apenas a distinta classe do conselho de anciãos daquele povo. Mas sua história foi registrada. Toda ela escrita em riqueza de detalhes.

Já nessa época os anciãos haviam conseguido fazer com que boa parte da população fosse capaz de ler e escrever, embora sua escrita fosse mais baseada em desenhos de modo que as explicações eram, como sempre foram, transmitidas por tradição oral.

Nenhum dos anciãos e nem mesmo nenhum dos jovens haviam jamais mergulhado fundo e distante o bastante para chegar se quer perto do recife, ninguém mais tinha o fôlego tão desenvolvido a ponto de ser capaz das proezas dos antigos mergulhadores. Portanto, tudo que lhes restava eram os relatos dos seus heróicos antepassados das histórias contatas pelos Runiguibalis (anciãos) que mesmo sem nunca terem mergulhado se consideravam mantenedores fiéis das antigas tradições.

Sabiam pelas suas antigas escrituras que quando o mar está revolto não é possível chegar até Finiguibali, sabiam que o sustento vinha de Finiguibali, que ele os provia a alimentava a todos com Ru'qui, e que somente um Runiguibali seria capaz de ver Finiguibali em toda a sua beleza de vida e cores e só por suas mãos viria o tão valioso Ru'qui.
 

Sem dúvida estas histórias ficavam um tanto confusas, já que as presentes gerações já haviam esquecido o que eram Ru'quis, e para eles Runiguibalis eram apenas e tão somente os Anciãos, e não seria difícil imaginar que qualquer compreensão clara do que seria Finiguibali estaria profundamente comprometida em vista de não ser possível a nenhum Quiniguibali moderno chegar a vê-lo.

Os antigos mergulhadores deixaram registrados detalhes interessantes como por exemplo um tipo de exercício respiratório que faziam para adquirir a capacidade de prender a respiração dentro d'água pelo tempo necessário, os anciãos mantiveram essa salutar prática sendo passada às novas gerações, pois este era o único meio de se chegar a Finiguibali.

A medida que a história foi sendo contada geração após geração a percepção do que seria Finiguibali foi se alterando e evitando que se perdesse essa informação se enfatizava e discursava sobre a importância e valor do "Pai de Todas as Cores", a explicação clara de que para encontrá-lo é essencial que se faça exercícios respiratórios, deixe o mar se acalmar e se voltar para Runiguibali, leste, a terra ancestral, a origem de nosso povo, de onde viemos, onde vive o grande Finiguibali, pai de todas as cores, pai de Niguibali, portanto criador de nossa ilha, os Quiniguibalis, "filhos de Todas as Cores" recebem o seu sustento do Pai, que mandou ao seu povo o Ru'qui, filho ancestral, filho do leste, filho do sol.

Sabiam que após um período de 43 anos de escassez os Runiguibalis encontraram Finiguibali e este lhes deu Ru'qui e o povo não teve mais fome e Finiguibali supriu suas necessidades desde então.

Os atuais Runiguibalis, anciãos e não mais os mergulhadores de antanho, quando a colheita era escassa faziam como estava escrito que os antigos Runiguibalis faziam, eles esperavam que o mar se acalmasse, faziam seus exercícios respiratórios e entravam no mar de frente para o nascente, deixando que as ondas os cobrissem e depois voltavam para a praia confiantes e com a sensação de missão cumprida, embora alguns até mesmo questionassem a utilidade de tal ato.

Ainda assim o povo continuava a admirar os seus atuais Runiguibalis, sabiam que eram uma classe especial de pessoa, que só sendo um deles se seria capaz de chegar a ver o grande Finiguibali, que só eles eram capazes de enfrentar as provas necessárias para trazer ao povo o sagrado Ru'qui que saciaria a fome de todos, pois os desafios para conseguir tal proeza consistiam em evitar que Finiguibali o ferisse, evitar também aqueles que viviam com Finiguibali, como eram os fantasmas da água (águas vivas), os espinhos de fogo (ouriços) e a serpente feroz (moréia).

Claro, nenhum dos Quiniguibalis atuais jamais viu tais seres, sua única referência era aquela contida em suas escrituras sagradas, contadas pelos Runiguibalis anciãos, e assim tudo que podiam fazer era imaginar tais situações, tais aventuras, ou mesmo imaginar toda a beleza e grandiosidade de Finiguibali.

Mas nem todos os Quiniguibalis tinham tanto respeito pelos Runiguibalis, existiam alguns que não viam utilidade prática nos exercícios respiratórios, não viam sentido na história de um ser multicolorido que vive na água e é nosso pai, parecia absurda a idéia dele mandar um filho especial para salvar o povo da fome e questionavam porque só os Runiguibalis eram capazes de vê-lo e porque só eles podiam trazer à terra o Ru'qui, filho ancestral do grande Finiguibali. (?)



Esses passaram a ser chamados de Afis, aqueles não acreditavam no Pai (Fi). Os Afis desafiavam os Runiguibalis, faziam seus discursos dizendo coisas como: "Porque não nos mostra Finiguibali? Porque não nos mostra o Ru'qui? Onde estão eles agora?" Pegavam cuias e enchiam de água para depois derramá-la ostensivamente bradando: "Está vendo?! Na água não há nada! Me mostre alguma criatura colorida nessa água!" e assim seguiam intermináveis discussões entre Runiguibalis e os Afis, assim como todos aqueles que eram simpatizantes e defensores da antiga tradição dos Runiguibalis, se sentiam indignados com os desrespeitosos questionamentos dos Afis.

Os Afis por muito tempo foram marginalizados e se mantinham isolados sem frequentar a grande cabana dos Runiguibalis, repudiando seus ensinamentos. Mas com o passar de algumas gerações foram adquirindo uma visibilidade maior e se organizando, buscando despertar o maior número de Quiniguibalis possível para que vissem o quão absurdas eram as práticas dos Runiguibalis.

Isso foi tornando os grupos de simpatizantes dos Runiguibalis, que então eram chamados de Runis, cada vez mais apaixonados e tinham acaloradas discussões nas quais os Afis diziam: "Finiguibali não existe! Não há provas de que exista tal coisa!"; ao que os Runis rebatiam afirmando: "Prove que ele não existe! Eu posso senti-lo em meu coração, as provas estão nas Escrituras" e ainda se estendiam falando do prazer que os Runiguibalis sentiam por estar em contato com Finiguibali e por descobrir seus mistérios. Os Afis se indignavam com a falta de lógica dos argumentos Runis e replicavam dizendo que "As escrituras não eram prova de nada, pois qualquer um poderia tê-las escrito e não eram especiais por isso, só contaram um amontoado de fantasias. E que já haviam vindo navegadores de outros povos vindos do Leste e nunca viram tal entidade e seria preciso ser muito tolo para acreditar na existência de tal coisa descrita de forma tão fantástica".

Havia ainda alguns grupos que se reuniam nas praias do leste para clamar por Finiguibali à espera de suas benesses e alguns até declaravam terem visto o grande Ru'qui em um fugaz relance. Enquanto os Afis questionavam a sanidade mental de tais indivíduos. Ao que os Runis consideravam um insulto à memória dos grandes Runiguibalis que morreram nos braços de Finiguibali por terem negligenciado os cuidados de evitar os fantasmas da água, os espinhos de fogo e a serpente feroz.

Também já se tinha notícia de um grupo isolado que se proclamavam seguidores da Serpente Feroz e igualmente eram contrários aos Runis, bem como aos Afis, e consideravam a Serpente Feroz uma antítese de Finiguibali, então eles se reuniam nas praias do oeste de noite quando mar estivesse mais revolto, acendiam uma fogueira e dançavam a noite inteira.

Certa vez havia uma discussão mais acalorada numa praia entre um grupo de Afis e um de Runis, enquanto um Quiniguibali solitário que assistia tudo isso comentou: "Essa discussão não faz sentido, pois o problema não está em se Finiguibali existe ou não, mas o que ele realmente é e em como as Escrituras estão sendo interpretadas, que certamente significavam algo diferente do que é entendido hoje", mas infelizmente nenhum dos dois lados lhe deu ouvidos, sendo que os Afis o consideraram como sendo apenas mais um dos "delirantes" Runis, enquanto os Runis o consideravam como mais um Afi querendo aprecer.
= Fim =
Adonai de Souza Jacino (Mammatus).
 


Não é por se tratar de uma parábola que esta não estará sendo um retrato do que vivemos hoje, onde temos religiosos, ateus e nossas sagradas escrituras sendo discutidas com base em interpretações dadas a coisas que não foram vividas senão por quem as escreveu. O ocultismo não trata de ocultar ou esconder conhecimentos, mas sim em desvendar o que já se encontra oculto.
 


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